Cada vez mais artistas têm optado por utilizar as várias possibilidades trazidas pelas diferentes linguagens para diversificar a sua produção

Muitos e muitas artistas transitam entre a rua, o cubo branco e o cubo nem tão branco assim. Carregam referências e técnicas da street art que combinadas dão origem aos mais diversos trabalhos, cheios de originalidade e personalidade. A arte urbana em diversas linguagens como adesivos (stickers), cartazes, serigrafias, objetos de decoração, roupas e acessórios customizados e demais colecionáveis estão presentes nas suas produções. As tiragens limitadas e os colecionáveis amplificam o alcance de suas pinturas e murais num intercâmbio criativo e acessível para um número maior de pessoas.

E não poderia ser diferente já que a arte urbana, ou street art, é a arte para todos. A arte urbana, como a conhecemos hoje, apareceu nos EUA no final dos anos 1960, mais precisamente na costa leste, junto aos movimentos do hip hop que combinavam, e ainda combinam, música, dança, graffiti e muita contestação. A street art nasce questionadora e se espalha pelo mundo.

No Brasil o pioneiro do graffiti foi Alex Vallauri (1949-1987), gravador de origem, foi no final dos anos 1970, ainda durante a ditadura militar no Brasil, que Vallauri começou a espalhar seus graffitis pela cidade de São Paulo. Para o artista o graffiti é o que mais se aproxima do ideal de “arte para todos”. Ele também usou outros suportes além dos muros urbanos: estampou camisetas, bottons, adesivos e carimbos, além de utilizar a fotografia e outras linguagens artísticas e, sem dúvidas, continua como uma grande referência para artistas atuais.

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Alex foi um dos principais representantes da pop art no Brasil, incorporando ludicamente o kitsch em suas obras e intervenções – site: https://notthesamo.com/

Muitos artistas vieram das ruas para as galerias e nesse contexto não podemos deixar de falar da importância do surgimento da galeria Choque Cultural. Baixo Ribeiro trabalhou muitos anos com moda e, mais especificamente, marcas voltadas para o público jovem. Foi a partir da convivência com esse público que ele conseguiu ver grande potencial com relação aos colecionáveis. Mais do que consumir esse pessoal queria ter um produto diferenciado e que pudesse proporcionar satisfação pela sua aquisição.

A partir dessa visão ele e sua esposa, Mariana Pabst, montaram a Editora Choque Cultural que começou com a produção de artigos colecionáveis de artistas urbanos como prints, livros de artista, adesivos e afins. Seguindo um caminho natural o casal de arquitetos e artistas se juntou ao historiador e também artista Eduardo Saretta (Coletivo SHN) e fundaram, em 2004, a galeria Choque Cultural.

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Fachada da galeria Choque Cultural – imagem do site

A Choque transformou-se numa das principais referências globais em arte urbana e novas linguagens contemporâneas, apresentando jovens artistas ao lado de nomes já consagrados e internacionais. O programa de exposições é focado na apresentação integral de artistas e coletivos, ou seja, nas mídias diversas que compõem suas obras, através de exposições indoor, nas ruas ou virtuais. Além das exposições, a Choque investe em intercâmbios, residências, intervenções urbanas, colaborações, imersões e outras experiências multidisciplinares. Sob o guarda-chuva da galeria, a Choque e seus artistas realizam projetos de arte no espaço urbano, em espaços não convencionais de arte e em instituições museológicas tradicionais.

Com o formato da editora Choque voltado para a street art consolidado, foi a hora de introduzir a produção de gravuras em serigrafia na história. Com a captação de artistas da arte urbana – hoje nomes consagrados como Speto, Jaca, Daniel Melim, Ramon Martins, Tara Mcpherson e etc. – e o treinamento de serígrafos a produção de serigrafias tornou-se parte da cultura da street art e passou a fazer parte do portfólio dos artistas com lançamentos periódicos de novas obras.

Serigrafia

A serigrafia é um processo de impressão permeográfica. Ela segue o princípio do estêncil: a tela de poliéster, esticada em um bastidor, recebe um tratamento fotoquímico que determinará as áreas impermeáveis e, nas demais áreas, a tinta atravessa a tela, com a ajuda de um rodo, e o papel é impresso. Cada cor requer uma tela, para isso são produzidos os fotolitos, um para cada cor, e a partir deles uma máscara é criada em cada tela.

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Produção da gravura Autoimagem de Daniel Melim – Editora de Gravura

A serigrafia é uma técnica bastante antiga e devido à sua versatilidade e baixo custo sempre esteve relacionada aos usos industriais/comerciais. Foi a partir do movimento da Arte Pop, com a adesão de Andy Warhol à técnica, que a serigrafia passou a ser vista como possibilidade também artística. Dentro desse universo destacamos a Editora de Gravura, comandada por Wilton Pedroso, que é um estúdio especializado em edições de arte de pequena tiragem. São produzidas edições artísticas de obras em papel nas técnicas de fine art e serigrafia. A produção é artesanal, de tiragem limitada e já foram produzidas as obras de vários artistas, confira no site da Galeria de Gravura.

Edições Galeria de Gravura

O Coletivo SHN é um ótimo exemplo de diversificação de linguagens. Formado em 1998, em Americana/SP, influenciados pelo legado punk “faça você mesmo” e multidisciplinar, o grupo reúne artistas com atuações diversas como artes gráficas, arquitetura, vídeo e grandes pinturas. A serigrafia foi o ponto de partida gráfico para a pesquisa de mídias apresentada pelo coletivo, que trabalha com ícones universais, (re)significando o conceito de logotipo e marca em uma abordagem bem-humorada e crítica. A utilização de traços largos, cores chapadas e apropriação e transformação de imagens, assim como a transposição para diversas mídias, atravessam a discussão proposta pelo coletivo. Além de grandes murais e vídeo mapping, o coletivo também produz adesivos (stickers), cartazes lambe-lambe, serigrafias, calendários, bandeiras, roupas e acessórios.

Arte urbana em diversas linguagens
SHN – site

O termo destruição criativa (ou criadora) pertence originalmente à economia, disseminado a partir das ideias do pensador austríaco Joseph Schumpeter, mas o artista Rogério Carnaval (Carne Levare), a partir de suas criações, nos mostra que na arte as diferentes formas de reconfiguração podem ser muito bem-vindas. Rogério desenvolve sua arte pelas ruas das cidades através da técnica de “décollage”, chegando à arte contemporânea com a ressignificação de objetos. Começou na arte colaborando para a produção de zines de bandas punk-rock e hardcore, no qual participava dos ensaios e shows. Em seu ateliê produz peças customizadas para o mercado de arte, design e publicidade.

Arte urbana em diversas linguagens
Rogério Carnaval – Instagram do artista

Como nos explica o neurocientista, psicólogo e colecionador Daniel Krawczyk, em seu TED sobre coleções, “o cérebro humano é programado para colecionar coisas”. Cada vez mais artistas têm optado por utilizar as várias possibilidades trazidas pelas diferentes linguagens para diversificar a sua produção de maneira a atender a um público ávido por colecionáveis e não apenas interessados em consumir. São peças acessíveis, disponíveis para um número maior de pessoas e que trazem a essência desses artistas e da própria arte urbana, proporcionam uma grande experiência para os colecionadores que, além de poder obter esses itens para as suas coleções, podem aproveitar para caprichar na decoração de seus lares com originalidade e personalidade.