Quando falamos da xilogravura de cordel é inevitável que exista um deslocamento ao nordeste brasileiro, apesar de existir produção em diversos estados no Brasil, é na região nordeste que percebemos um histórico e uma integração forte com a cultura local. A produção de gravura se faz presente em diversos contextos de forma substancial, mas é na xilogravura de Cordel em Pernambuco e Ceará que aqui tencionamos o diálogo. No ano de 2018 a literatura de cordel foi reconhecida como patrimônio imaterial brasileiro sendo uma das expressões que a cultura popular se alimenta e nutre simultaneamente ganhando sua forma impressa e rimada a partir da tradição da oralidade. Esses folhetos impressos de forma simples carregam por nome uma referência portuguesa e por formato uma produção que já circulava na idade média por volta do século XI e XII na europa. E hoje encontramos facilmente pendurados nos barbantes com anedotas populares a críticas sociais sob o nosso tom.
Podemos encontrar em Caruaru-PE o museu do cordel, onde é possível conhecer vários artistas da terra, citaremos aqui o Mestre Dila e J. Borges como nomes de destaque nesse contexto, que contribuíram ativamente na produção da xilografia em Pernambuco. A xilogravura de cordel produzida por tais artistas possui outro combustível para sua feitura diferentemente dos exemplares europeus. Aqui conhecemos o imaginário nordestino, que permeia os contos populares, o cenário rural, suas vivências e as próprias narrativas em cordel tudo isso conduzido pela expressão e criatividade do artista.

O Cariri cearense, região localizada ao sul do estado do Ceará é espaço fértil de produção em artes, e quando falamos de xilogravura, podemos dizer que existe um histórico de produção da mesma. Para inicio de diálogo podemos citar um centro que fez fértil a produção da xilogravura na região, a Lira nordestina, anteriormente conhecida por Tipografia São Francisco. A literatura de cordel ganhou forma na Lira, fazendo essa mídia circular por toda região, que até então não se fazia presente, assim os xilógrafos principalmente de Juazeiro do Norte cidade onde se encontra a Lira nordestina, ganharam um espaço possível de se produzir e fazer circular a literatura de cordel para além do Ceará.
Um fato que marcou o rápido desenvolvimento da tipografia, foi a aquisição de um grande acervo de clichés juntamente com seus direitos autorais, de alguns estados do nordeste que possuía das maiores produções cordelistas, como Pernambuco e Paraíba. A compra feita por José Bernardo, proprietário e animador do espaço, possibilitou a tipografia se tornar a maior folheteria localizada no nordeste do Brasil, assim em meados de 1949 a modesta gráfica ganha outras dimensões.

Padre Cicero Romao Batista
Foto bem antiga que data década de 20/30 do Padre Cicero.

Faz parte da cultura popular da região a tradição do cordel, que teve fortes períodos de auge na produção, embora com oscilações dessa. A poesia de cordel produzida no Ceará ganhou a atenção de pesquisadores e apreciadores da obra por apresentar um atraente e diversificado volume de produção dessa arte. Um aspecto que também merece destaque é a religiosidade local que tem influência em vários aspectos, desde tema para a construção das ilustrações e textos que virão na no cordel até o fluxo constante na cidade motivado pelo turismo religioso, gerando volume de densas romarias de fiéis da igreja católica para com as figuras devotadas. Assim esses romeiros também se tornaram importantes consumidores desses trabalhos.

Tipografia São Francisco - Juazeiro do Norte
Tipografia São Francisco atualmente se chama Lira Nordestina – Juazeiro do Norte

As questões econômicas estiveram pontualmente atreladas ao inicio das atividades da produção de cordel. No início do século XX as pequenas tipografias tinham um reduzido caixa o que dificultava a produção já que os clichés metálicos possuíam um alto custo, assim existiu uma substituição, se fazendo necessário o contrato de xilógrafos para a feitura das ilustrações na matriz de madeira. Logo aumentou a demanda e vários artistas se fizeram presente na construção dos folhetos de cordel, o auge se fez presente em meados nos anos de 1960.
A literatura de cordel deve ser lida como uma importante mídia de comunicação na história do Ceará, já que a região teve contato tardio com outras mídias tecnológicas; essa se caracteriza também como material educativo que fez a informação circular de forma econômica, o baixo custo possibilitou o acesso de grande parte da população a esses trabalhos.
Podemos dizer que as tipografias e aqui evidenciando a Lira nordestina, funcionaram como importantes espaços educativos. Com uma concentração forte de encomendas existiu um fluxo ascendente de artistas e o contato com os mestres mais experientes fez desse espaço um orgânico compartilhamento de saberes. Lugares de formação em artes são recentes na região, como a criação do Centro de Artes em 2008 na Universidade Regional do Cariri, então a tipografia se apresentava como primeiro local de formação naquele contexto gráfico.

Abraão Batista - Xilogravura
Xilogravura dos seres encantados de Abraão Batista

Alguns aspectos estéticos encontrados nas xilografias da região do cariri cearense se diferem na produção geral encontrada no sudeste brasileiro, podemos citar a diferença do corte da madeira fazendo se presente a xilografia de fio no Ceará, e sendo mais frequente a de topo no Sudeste. Essa mudança no corte da madeira apresenta diferentes formas de trabalhar o encavo, interferindo assim na maneira que a imagem irá se apresentar. Aqui a preciosa imburana de cheiro, umburama, emburama e que recebe outros inúmeros nomes é uma das mais preciosas matérias para a feitura do xilo na região, mas por conta da dificuldade de acesso, seja pelo corte indiscriminado, seja pelo custo, muito xilogravurista tem usado madeira de compensado.Podemos então apreciar e aprender com essas potentes produções xilográficas encontradas no nosso nordeste brasileiro, onde a tradição do cordel e construções gráficas se aliam ganham inúmeras formas de narrar histórias.