Estranhos são os caminhos da vida.Quando conheci Aldemir Martins no bar do Museu de Arte Moderna na rua sete de abril, 230, sede dos Diários Associados, nos fins dos anos quarenta, São Paulo tinha uma galeria de arte, a Domus. Enquanto tomava meu Dry Martini preparado pelo Artur, jamais poderia imaginar que em março de 2002 estaria escrevendo sobre esta exposição que denominei Aldemir Martins um pintor do Brasil e sobre a curadoria. Evitei o adjetivo brasileiro.Neste caso não significa, não tem a amplidão, a força que do Brasil tem. O número de pintores brasileiros que não pintam o Brasil é incalculável. Não tem tamanho. Aldemir, não. Aldemir pinta o Brasil. Aldemir não tem vergonha do verde e amarelo da bandeira nacional. A Arte Contemporânea do Brasil está cheia de pintores que falam muito sobre a luz, sobre a cor local, mas, pintam como se estivessem em Londres, Paris e Tokyo. Nos anos 40 Aldemir não tinha ainda despertado para a luz, para a cor local. Suas pinturas, Curral vazio de 45 e Tocadores de Ganzá de 47 deixam isso bem claro. O tema era nosso, mas a pintura tinha raízes na pintura dos expressionistas franceses e alemães. Foi através das cores dos desenhos, das gravuras que a cor de Aldemir passou a ser sua marca registrada e explodiu na tela. Com força, vigor. Senhora absoluta. Precisar com exatidão quando isso aconteceu é difícil. Esse processo não tem hora nem dia marcado. Vai acontecendo. Quando se percebe, já aconteceu.

http://www.gravura.art.br/artistas/aldemir-martins.html

Não hesitaria em dizer que a cor nos fins dos anos 60 passou a ser o principal componente na obra de Aldemir. E continua a ser. Isso também aconteceu com Matisse e Kandinsky na França. , com Franz Marc na Alemanha. A partir de um determinado momento a pintura de Matisse, Kandinsky, Marc passou a ser cor. Simplesmente cor. Suas fabulações, suas composições são inconcebíveis sem ela.O mesmo aconteceu com Aldemir. Aldemir Martins um pintor do Brasil mostra a pintura de um artista brasileiro que pensa, fala, expressa e pinta o micro e o macro universo do Brasil. Visceralmente ligado ao Brasil Aldemir trouxe para o mundo da arte moderna brasileira dos anos 50, cangaceiro, frutos, flores, pássaros, peixes e paisagens do nordeste e desse Brasil afora até então só encontrados em cadernos e livros dos artistas viajantes que por aqui passaram há séculos atrás

http://www.gravura.art.br/artistas/aldemir-martins.html

Na 1ª Bienal Internacional de São Paulo foi um dos peões que limpou, varreu, montou a mostra ao lado de Octávio Araújo, Marcelo Grassmann. chefiados por Guimar Morello, funcionário da metalúrgica de Matarazzo Sobrinho.Mas, não compareceu àquela Bienal só braçalmente. Um de seus desenhos da série Cangaceiros deu-lhe o Prêmio de Desenho. Prêmio que chegou na hora certa, pois significou alguns cruzeiros a mais no bolso. Dos anos 50 aos nossos dias muitos foram os prêmios e honrarias. Mas, o que deu mais o que falar foi o da Bienal Internacional de Veneza, em sua 28ª edição em 1956. Prêmio “Presidente dei Consigli dei Ministeri” atribuído ao melhor desenhista internacional. .Não vou enumerar aqui as láureas conseguidas. Seria cansativo e maçante. São muitas. Estão no currículo.

Continuando direi apenas que em mais de meio século muitas vezes cruzei com Aldemir. Sempre amigo, sempre generoso. No início dos anos 70 presenteou-me com uma tela. Um cangaceiro pintado em acrílica amarela. Uma beleza. Infelizmente não a tenho mais. Mas, no pouco tempo em que convivi com a pintura desfrutei de suas forma e cores. Proporcionava-me alegria, prazer. Emoção. Comecei a curadoria de Aldemir Martins um pintor do Brasil em dezembro de 2001. Nessa data também inicie pesquisa para a edição extra de artes: Aldemir de A a Z. Durante cinco meses , seus desenhos, gravuras, objetos, cerâmicas, pinturas, textos, críticas, depoimentos, fizeram parte do meu dia-a-dia. Assim pude ver e rever sua obra, seu percurso, sua vida. Aldemir nesse tempo todo se manteve à distância, não interferiu em nada, não palpitou. Deixou-me trabalhar.

http://www.gravura.art.br/artistas/aldemir-martins.html

Foi o que fiz. Aldemir de A a Z está impresso. Na 25ª Bienal Internacional, curadores, críticos e artistas já receberam seus exemplares. A diretoria e o Conselho também. Agora, Aldemir Martins um pintor do Brasil está pronta. Reúne 72 pinturas datadas dos anos 80 aos dias atuais É um dilúvio de cores. Aborda nove temas: paisagens, flores, flores e vasos, flores e frutas, frutas, mulheres, pássaros peixes e futebol. É o Brasil visto por Aldemir através de sua ótica única, personalíssima. Pintura aberta, sem herméticas pretensões, de fácil compreensão, pintura que nos conquista rapidamente, Nas paredes parece dizer: “Olhe, estou aqui. Faço parte de seu mundo”. No início deste texto escrevi que estranhos são os caminhos da vida. Em novembro próximo Aldemir faz 80 anos. Em dezembro faço 73. Indiferentes ao tempo ele e eu continuamos a fazer o que nos dá prazer. Talvez este seja o nosso segredo. Prazer no fazer. Não poderia ser melhor.

Carlos von Schmidt curador e crítico de arte

 

São Paulo 25 de março de 2002