A 31a Bienal de São Paulo, sob o título Como (…) de coisas que não existem, é uma invocação poética do potencial da arte, de sua capacidade de refletir e agir sobre a vida, o poder e a crença. A frase, sem ser uma pergunta ou uma proposição, entrelaça, por meio da arte, o lado místico e espiritual da vida com os ideais políticos e sociais, tudo isso em um mundo em constante transformação. Ela pretende comunicar otimismo em relação às possibilidades da arte hoje – um otimismo que faz coro ao da Bienal e dos projetos dentro dela, fundados como estão na convicção sobre a capacidade da arte de dirigir-se a – e intervir em – locais e comunidades onde ela se manifesta.

A existência de coisas que não existem pode ser entendida se admitirmos que a compreensão e a ação humanas são sempre parciais, limitadas por expectativas e convicções. Algumas coisas, então, ficam de fora dos esquemas comumente aceitos de pensar e de fazer em qualquer momento determinado. Quando as pessoas se veem discordando de explicações existentes sobre a vida e sua experiência dela, as coisas que não existem se tornam mais tangíveis em sua ausência. Elas são com frequência vivenciadas como confrontos com limitações ou injustiças que sentimos não poder superar, porque nos faltam os meios para fazer isso.

Contudo, em tal situação, o leque de possibilidades para ação e intervenção está aberto – uma abertura que é a razão da constante alteração do primeiro dos dois verbos no título da 31a Bienal, antecipando as ações que poderiam tornar presentes essas coisas que não existem. Começamos por falar sobre elas, para em seguida viver com elas, e então usar, mas também lutar contra e aprender com essas mesmas coisas, em uma lista que pode não ter fim.

A virada

O encontro entre as crises políticas, sociais, religiosas, econômicas ou ecológicas que estamos vivenciando, a distribuição cada vez mais desigual do poder e dos recursos e o sentimento de que carecemos dos meios para realizar a mudança verdadeira parece ter chegado a um estágio de virada. “Virada” é uma palavra às vezes empregada em referência à conversão religiosa, ou para definir um ponto em que uma certa construção do senso comum cede lugar a um conjunto diferente de valores compartilhados. No momento de virada que vivemos, a mudança está ocorrendo sem que seus mecanismos, direção e consequências exatos sejam claros.

A virada – a nossa virada – não é moderna, orientada para o futuro, progressista. É, ao contrário, desordenada, às vezes enganosa, definitivamente inconstante. Ela parece estar tentando sair dos parâmetros estabelecidos a fim de dar espaço à complexidade e à flexibilidade, sem receio de conflitos e enfrentamentos. Esse estado de virada é nossa condição contemporânea e, por conseguinte, a condição desta 31a Bienal.

Coletividade, conflito, imaginação, transformação

A crise de representação também se estende para a arte, que talvez tenha sido no passado uma forma primordial de representar o mundo, e muitos artistas nesta Bienal estão preocupados em estar presentes nas situações e permitir que suas impressões lentamente se acumulem de modo que os espectadores de seus trabalhos finais possam sentir-se parte do processo de descoberta e aprendizagem. Quisemos examinar maneiras de gerar conflito, com projetos que tivessem em seu núcleo uma relação não resolvida entre grupos, diferentes versões da história ou ideias incompatíveis, mas também maneiras de pensar e agir coletivamente, para provar que este é um modo muito mais eficaz e enriquecedor de trabalhar do que a lógica individual que em geral nos é proposta. Vemos na imaginação uma ferramenta para ir além de nossas situações correntes e transformá-las. A arte em seu melhor estado é uma força disruptiva. Ela pode criar situações em que o desaprovado é aceito e valorizado por meio do ato de imaginar as coisas de outra forma. Por fim, a transformação pode ser entendida em trabalhos artísticos que podem apresentar o potencial para mudança em diversos sentidos, valendo-se de transgressão, tradução, transexualidade e outras ideias transitivas que, como a virada, agem contra a imposição de uma verdade única, absoluta. De fato, parece que essas palavras “trans-” são maneiras de tocar em coisas que não podem ser inteiramente expressas na linguagem escrita, mas dependem de outras formas de comunicação.

Processo

A 31a Bienal se entende como eminentemente contemporânea, em diálogo com o presente: com a situação atual na cidade de São Paulo, onde está localizada; com o Brasil, país que é o contexto imediato da cidade; com a América do Sul, mais além; e com o mundo como um todo. Em seu interior, figuram a história pré-moderna e a moderna, mas o valor dessa história não reside em si, e sim em seu conjunto de ficções, narrativas e informações relevantes, do qual novas possibilidades podem emergir para o futuro. A ênfase na contemporaneidade também se traduz em um desejo de eliminar as hierarquias formais entre artistas, curadores, comunidades, estudantes e públicos. Embora se possa dizer que um pequeno grupo de pessoas sejam os iniciadores, a ênfase da 31a Bienal é posta sobre todos aqueles que entrarão em contato com o projeto e dele farão uso, bem como sobre o que será criado a partir dos encontros com os projetos e com o evento como um todo. Essa abertura do processo precisa ser entendida como um meio de aprendizagem: uma troca educacional estabelecida ao longo e em cada um dos níveis e que é, por conseguinte, não resolvida e exploratória.

Jornada

Esta não é uma Bienal fundada em arte e objetos, mas em pessoas que trabalham com pessoas em projetos, em colaborações entre indivíduos e grupos, em relações que devem continuar e desenvolver-se ao longo de sua duração e talvez mesmo depois de seu encerramento. A expectativa é de que todos que entrarem em contato com ela nos acompanhem em uma jornada, curta ou longa, e explorem essas possibilidades antes de partirem em suas próprias trilhas, individuais e coletivas, e levem algo novo consigo. Espera-se que esse momento compartilhado seja transformador para todos os envolvidos. Para isso ocorrer, os trabalhos artísticos, as palavras e ideias surgidas nas discussões, eventos e situações que aconteceram ou acontecerão enquanto durar a exposição, todos precisam ser confrontados, apropriados, usados e abusados por seus participantes. Ao longo desses encontros, dentro e em torno da 31a Bienal, por meio do que são fundamentalmente atos artísticos da vontade, as coisas que não existem podem ser trazidas à existência e, assim, contribuir para uma visão diferente do mundo. É provável que seja este, no fim das contas, o potencial da arte em si mesma.

É apenas o vértice do seu mundo interior
por Agnieszka Piksa

Voto!
por Ana Lira

Cidades à margem do rio
por Anna Boghiguian

Ymá Nhandehetama
por Armando Queiroz

Casa de Caboclo
por Arthur Scovino

10.000 anos de arte popular nórdica
por Asger Jorn

Os insurgentes incidentais Parte 1 & Parte 2
por Basel Abbas e Ruanne Abou-Rahme

Fazendo vista grossa
por Bik Van der Pol

Ponto de encontro
por Bruno Pacheco

Apelo
por Clara Ianni e Débora Maria de Silva

Céu
El Dorado
Vila Maria
por Danica Dakic

Sem título
por Éder Oliveira

Lança e outros trabalhos
por Edward Krasinski

Arqueologia marinha
por El Hadji Sy

Linha da vida / Museu Travesti do Peru
por Giuseppe Campuzano

Revista Urbânia 5
por Graziela Kunsch and Lilian Kelian

País das maravilhas
por Halil Altindere

Varrendo – A map of sweeping
por Imogen Stidworthy

Teares, trilhas de guerra
por Ines Doujak and John Barker

Na terra dos gigantes e outros trabalhos
por Jo Baer

Perímetros
Imponderáveis
por Johanna Calle

Violência
por Juan Carlos Romero

O shabono abandonado
por Juan Downey

Letra morta
por Juan Pérez Agirregoikoa

Café da manhã
por Leigh Orpaz

Os não contados: um tríptico
por Mapa Teatro – Laboratorio de artistas

Não-Ideias
por Marta Neves

Espaço para abortar
por Mujeres Creando

Série Negra
TrabZONE
Cabine telefônica aberta
por Nilbar Güres

Contando as estrelas
por Nurit Sharett

A Escola Moderna
por Pedro G. Romero

Nuvens escuras do futuro
por Prabhakar Pachpute

A última aventura
por Romy Pocztaruk

Mujarwara
por Sandi Hilal, Alessandro Petti e Grupo Contrafilé

Aqueles dos quais
por Sheela Gowda

A família do Capitão Gervásio
por Tamar Guimarães e Kasper Akhøj

Martírio
por Thiago Martins de Melo

Sobre outros mundos que estão neste
Cem mil solidões
por Tony Chakar

Espelho d’água de Granada
Incêndio em Castela
por Val del Omar

Sem título
por Vivian Suter

Sergio e Simone
por Virgínia de Medeiros

Histórias de aprendizagem
por Voluspa Jarpa

Cartas ao leitor (1864, 1877, 1916, 1923)
por Walid Raad

Capital
por Wilhelm Sasnal

Inferno
por Yael Bartana

Pequeno mundo
por Yochai Avrahami

Nada é
A fortaleza
por Yuri Firmeza